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Pode-se, portanto, considerar o contracto como um conciliador dos interesses collidentes, como um pacificador dos egoísmos em lucta. É certamente esta a primeira e mais elevada funcção social do contrato. E para avaliar-se de sua importância, basta dizer que, debaixo deste ponto de vista, o contracto corresponde ao direito, substitui a lei no campo restricto do negócio por elle regulado. Ninguem dirá que seja o contracto o único factor da pacificação dos interesses, sendo o direito mesmo o principal delles, o mais geral e o mais forte, mas impossível será desconhecer que também lhe cabe essa nobre função socializadora. Vêde uma crença tenra edade. Appetece um objecto, com que outra se diverte; seu primeiro impulso é arrebata-lo, num ímpeto de insoffrido egoísmo, das mãos frágeis, que o detêm. A experiência, porém, pouco e pouco, lhe ensina que encontrará resistência, sem que assim proceder. Seu proceder vae amoldando-se às circumstancias e, em vez de apoderar-se à força, pede, solicita, propõe trocas, seduz com promessas capitosas e, esgotados os meios brandos, passará, então, à violência, ou aos gritos, último recurso dos fracos. Assim foi o homem primitivo, assim seria o homem civilizado, se não o contivessem os freios do direito, da religião, da opinião pública, de todas as disciplinas sociaes empenhadas na tarefa de trazer bem enjaulada a fera, que cada homem traz dentro de si.”

Clóvis Beviláqua, Direito das Obrigações, Campinas: RED Livros, 2000, p. 211.

A Constituição Federal de 1988 trouxe além de todo o complexo de transformação político jurídica para a sociedade brasileira, a institucionalização da responsabilidade civil em decorrência de dano moral, garantindo a igualdade de todos perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida, que guarnece a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem.

No último século o vocábulo “dano moral” ganhou a mídia. Os meios de comunicação divulgam voluptuosas quantias pagas por empresas multinacionais a consumidores que sofreram dano moral, as empresas mais afetadas por este tipo de ações procuram se prevenir e modificam seus sistemas de organização e investem na capacitação de seu quadro de recursos humanos. Um exemplo clássico no Brasil foi trazido por uma multinacional do ramo alimentício que incorporou, em suas atividades diárias de limpeza de seus espaços, uma placa amarela, que hoje em dia é muito utilizada pelos prestadores de serviços do ramo de limpeza, com os seguintes dizeres “Cuidado Piso Molhado”.

Esta atitude da gestão administrativa da gigante deste ramo possui como finalidade a prevenção de ações judiciais de natureza indenizatória por eventuais acidentes que possam ocorrer durante a execução do serviço de limpeza de seu estabelecimento comercial. Claro, que desta forma, a multinacional também transfere uma imagem de empresa consciente, organizada e preocupada com o bem estar de seus consumidores, mas este não foi o viés principal para tal mudança organizacional.

Então, é notória a disseminação de ação judicial com pedido de indenização por danos morais, pois, a maioria das demandas envolvendo direito do consumidor existe este tipo de pleito. Entretanto, como já fora informado pelos Tribunais Superiores de nosso país, este instituto não pode ser rebaixado à categoria de um direito constitucional banalizado, o dano moral deve ser analisado com muita cautela pelos magistrados, afinal, a sua quantificação está envolta ao binômio satisfação-punição.

Verificado o aumento de ações judiciais envolvendo pedido de danos morais, indaga-se, é possível uma pessoa jurídica sofrer dano moral? Afinal, em se tratando de consumidores, é sabido que a Pessoa Jurídica também pode ser consumidora, bastando apenas adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatária final. E, quanto ao sofrimento de danos morais, uma empresa pode ser indenizada por ter seu nome de fantasia envolto a situações vexatórias? Ou ser indenizada por violação de seus segredos comerciais?

O dano moral é invocado quando se viola a honra, intimidade, privacidade ou a imagem de qualquer pessoa, sendo jurídica ou física. Entretanto, por motivos lógicos, uma empresa não pode ser dotada de honra, ou mesmo de intimidade, mas pode contar com um respaldo econômico sob sua imagem e privacidade. Imagem e privacidade são os dois únicos requisitos em que se baseia uma condenação judicial por danos morais a favor de uma empresa.

A imagem da pessoa jurídica é composta pelo seu nome, sua marca, seu logotipo, seus produtos, seus serviços ou qualquer outra forma que a identifique. Quando alguns desses objetos são atingidos de forma a diminuir seu respaldo social, surge o dano moral a favor da pessoa jurídica. Quanto à privacidade, mesmo estando a pessoa jurídica submetida às características públicas, devido à sua atuação no meio social, os segredos comerciais, métodos administrativos e outros elementos que devem ser guardados e reservados podem ser objetos de violação, aparecendo mais uma vez o dano moral face à violação da privacidade da pessoa jurídica.

Além disto, a proteção à “moral” da empresa engloba não tão somente a pessoa jurídica de direito privado, como também toda e qualquer associação, instituição, sociedade comercial ou civil com ou sem fins lucrativos, inclusive a massa falida pode sofrer danos morais.

Assim, conclui-se que a legislação consumerista adotou princípios estruturais flexíveis que permitem adequações de fatos novos com disposições legislativas antigas. O dano moral costumeiramente identificado à pessoa humana, agora também é visto sob o foco da pessoa jurídica.

Marden Gontijo

 

Lucas Cavalcanti Velasco

Resumo
Trata-se de estudo que visa utilizar a nova lei do Mando de Segurança (Lei 12.016/09) como objeto de análise da tese produzida pelo professor pernambucano Marcelo Neves, a qual examina o papel da legislação simbólica na sociedade. Busca-se, nesse sentido, demonstrar a função política desse novo diploma legislativo, visto que destituído de maior eficácia jurídica.

Palavras Chave: Mandado de Segurança. Legislação simbólica.

Sumário: 1. Argumentos iniciais. 2. A nova lei do Mandado de Segurança como objeto concreto da técnica legislativa simbólica. 3. Considerações finais. 4. Referências bibliográficas

1. Argumentos iniciais

A presente reflexão não pretende analisar os tecnicismos jurídicos resultantes de interpretações levianas que se poderia realizar frente à nova lei do mandado de segurança (lei 12.016/09), visto que se trata de instrumento legislativo novo e, por conseguinte, incapaz de proporcionar grandes divagações em razão da incipiência de sua eficácia.
Aliás, deve-se observar que a produção de artigos jurídicos em massa visando a tecer comentários práticos acerca dos novos diplomas legislativos é costume recorrente em nosso país, o que faz confirmar que o âmbito de nossas reflexões se limite, na maioria das vezes, a esclarecer detalhes técnicos de leis voláteis consectárias do direito posto, sem nos preocuparmos em compreender de fato a dinâmica da produção de tais diplomas.
Imagine-se, por exemplo, o que seria dos nossos “articulistas” e “operadores jurídicos” se o direito positivo caísse em total descrédito, fazendo desacelerar essa produção legislativa que se dá quase que de forma seriada. Em conclusões despretensiosas, haveria muita dificuldade de se escrever e de se opinar sobre os novos temas. E isso não se daria pela falta de potencial dos nossos formadores de opinião, mas sim pela pouca prática de se formular um pensamento mais elaborado que abarque, de maneira concomitante, as compreensões técnico-jurídica e jurídico-social referentes às leis recém editadas.
Por isso, em vez de se cogitar os novos rumos da jurisprudência a serem tomados diante da lei 12.016/09, propõe-se aqui uma rápida análise do verdadeiro reflexo social desse instrumento, partindo-se do pressuposto de que a maior parte da crítica concordou, mesmo que de forma aligeirada, que o referido diploma não propôs grandes mudanças em relação à antiga lei (lei 1533/51).

2. A nova lei do Mandado de Segurança como objeto concreto da técnica legislativa simbólica

A crítica que se deve fazer à nova lei do mandado de segurança não se limita à sua notória ineficácia jurídica, uma vez que a sua ausência de efetividade possui um propósito muito bem pensado pelos nossos legisladores, que atuam de forma acompanhada ao governo. Assim, se por um lado inexistem maiores efeitos a serem produzidos por tal lei no âmbito jurídico, no âmbito político ela atua de maneira positiva, devendo-se esclarecer de que forma essa última prática se dá no atual contexto social.
É nesse exato momento que se pede suporte a uma teoria trabalhada pelo professor pernambucano Marcelo Neves, com base em teóricos como Lévi-Strauss, Bourdieu, Luhman, Castoriadis, Frued, dentre outros, que fundamentou bem o fenômeno da “legislação simbólica” em nosso meio de produção jurídico.
Tal estudo, segundo o referido autor, “busca abordar o significado social e político de textos constitucionais, exatamente na relação inversa da sua concretização normativo-jurídica. Em outras palavras, a questão refere-se à discrepância entre a função hipertroficamente simbólica e a insuficiente concretização jurídica de diplomas constitucionais. O problema não se reduz, portanto, à discussão tradicional sobre ineficácia das normas constitucionais. Por um lado, pressupõe-se a distinção entre texto e norma constitucionais; por outro, procura-se analisar os efeitos sociais da legislação constitucional normativamente ineficaz. Nesse contexto, discute-se a função simbólica de textos constitucionais carentes de concretização normativo-jurídica.”¹
Transportando essa concepção para a atividade legislativa ordinária, na qual se insere a nova lei do Mandado de Segurança, verifica-se que existe uma representação da lei que transcende o seu efeito jurídico, podendo até mesmo ser totalmente materializada no campo político quando naquele primeiro sentido existe carência de efetividade.
É, pois, nesse sentido que se concebe a idéia de legislação simbólica, pela qual transparece o predomínio da função essencialmente político-ideológica em detrimento da função jurídico instrumental, de sorte que a produção de leis que, em primeiro plano, teriam eficácia normativo-jurídica, passam então a priorizar finalidades políticas não condizentes com a sua função ideal.
Diante dessas considerações, se a lei atua predominantemente de maneira simbólica no plano do direito, o autor pernambucano, com base em Harald Kindermannm, prevê três possibilidades desse mesmo diploma surtir efeitos políticos, considerando os seguintes objetivos: ”a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios.”²
O questionamento que se faz, de maneira direta, é acerca de qual desses efeitos a nova lei de mandado de segurança produz de forma preponderante no plano político-social, visto que, de acordo com grande parte dos nossos formadores de opinião, possui somente eficácia jurídica aparente.
Sem a intenção de trazer qualquer solução consolidada, o que se pode inferir, de plano, é que a segunda opção é assertiva bem provável nesse contexto, tendo em vista que o Estado, por várias vezes, procura assegurar a confiança da sociedade com a edição de leis que só possuem eficácia simbólica para o Direito. Por conseguinte, a lei 12.016/09 é mais uma a cumprir esse papel, uma vez que nada alterou consideravelmente a legislação pregressa, que já produzia efeitos desde 1951.
Pode-se constatar, assim, que o Estado, com vistas a demonstrar novamente a sua capacidade de resolver problemas sociais, edita lei para causar a impressão de que eles serão dirimidos, transmitindo ao povo uma falsa noção da realidade.
Por fim, quanto às possibilidades de confirmação de valores sociais e de adiamento de conflitos sociais, acima demonstradas pela teoria de Neves, só o transcurso do tempo nos dirá o modo pelo qual esse novo diploma legislativo atuará em tais sentidos, considerando-se que a sua recém edição não nos permite tirar conclusões mais detidas acerca de tais hipóteses.

3. Considerações finais

Como ressaltava Niklas Luhmann, a existência de um ordenamento jurídico ideal dependeria do perfeito “acoplamento estrutural entre política e direito”³, de modo que a presença de uma eficácia jurídica simbólica das leis seria prática totalmente contrária a essa estrutura almejada.
No específico caso da lei 12.016/09, pode-se perceber que essa compatibilidade se mostra inexistente frente àquele modelo proposto, fato esse que nos distancia da possibilidade de usufruirmos de um ordenamento jurídico mais coerente e consistente. Dessa maneira, não seria equivocada a conclusão de que essa tendência hipertrófica de leis simbólicas no Brasil representa conseqüência da sua precária realidade política, considerando-se a carência de condições materiais com vistas a resolver os problemas econômicos e sociais existentes.
Para finalizar a presente reflexão, faz-se necessário salientar que é em razão dessa eficácia aparente das normas jurídicas que se deve considerar, atualmente, outras alternativas que resolvam situações jurídicas diferentes da mera aplicação positiva de leis, não deixando que o Direito perca a sua credibilidade social.
Assim, serão sempre bem vindas as opções decorrentes das novas técnicas interpretativas aptas a flexibilizar o grau de aplicabilidade dessas normas, fazendo com que aquelas que contenham baixa efetividade jurídica não prejudiquem os direitos do cidadão. Devemos esperar, então, o que os novos tempos, que têm como importante marco a concepção “pós-positivista do Direito”4, nos poderá trazer como solução adequada diante desse problema.

Referências bibliográficas:
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003
LENZA, Direito Constitucional Esquematizado. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

Notas:
1 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p.1.
2 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p.1.
³ NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p.65.
4 Termo empregado a partir da ideia de pós-positivismo analisado por Luiz Roberto Barroso, em obra “O direito constitucional e a efetividade de suas normas”, p. 289.

Depois da Emenda Constitucional n. 41/2003, que deu nova redação ao artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, muito tem se indagado sobre o teto remuneratório, a irredutibilidade salarial e o direito adquirido. Envolto neste tema, passo a analisar o referido dispositivo, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 41, 19.12.2003)”(grifo nosso)

Desta forma, estabeleceu como teto geral para todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Válido acrescentar que a mesma regra abrange a remuneração, o subsídio, os proventos, as pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não. O art. 40, §11º da Constituição Federal reforça a limitação quanto aos proventos da inatividade, in verbis:
“Aplica-se o limite fixado no art. 37 XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes de acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.”
No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou, através da Resolução n. 14, de 21 de março de 2006, a incidência do teto remuneratório para os servidores do Poder Judiciário da União. Destaco o que considero de maior relevância:

Art. 1º O teto remuneratório para os servidores do Poder Judiciário da União, nos termos do inciso XI do art. 37 da Constituição Federal, é o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal e corresponde a R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais).

Parágrafo único. Enquanto não editadas as leis estaduais referidas no art. 93, inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no caput, nos termos do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional n. 41/2003.

Art. 2º Estão sujeitas aos tetos remuneratórios previstos no art. 1º as seguintes verbas:
I – de caráter permanente:
a) vencimentos fixados nas tabelas respectivas;
b) verbas de representação;
c) parcelas de equivalência ou isonomia;
d) abonos;
e) prêmios;
f) adicionais, inclusive anuênios, biênios, triênios, qüinqüênios, sexta parte, “cascatinha”, 15% e 25%, trintenário e quaisquer outros referentes a tempo de serviço;
g) gratificações;
h) vantagens de qualquer natureza, tais como:
gratificação por exercício de mandato (Presidente, Vice-Presidente, Corregedor, Diretor de Foro e outros encargos de direção e confiança);
diferenças individuais para compensar decréscimo remuneratório;
verba de permanência em serviço mantida nos proventos e nas pensões estatutárias;
quintos;
vantagens pessoais e as nominalmente identificadas – VPNI;
ajuda de custo para capacitação profissional.
i) retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento;
j) proventos e pensões estatutárias;
k) percepção cumulativa de remuneração, proventos e pensões, de qualquer origem, nos termos do art. 37, inciso XI da Constituição Federal, ressalvado o disposto no art. 4º desta Resolução.”

Em sua obra, Manual de Direito Administrativo, o jurista José dos Santos Carvalho Filho tece importantes comentários, destaco: “(…) sujeita-se ao teto remuneratório qualquer tipo de remuneração dos servidores, além de proventos e pensões, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. (…) são destinatários da referida norma todos os titulares de cargos, empregos e funções da Administração Direta, autárquica e fundacional, os membros de qualquer dos Poderes das entidades federativas, os detentores de mandato eletivo e os demais agentes políticos.”

Após a alteração do referido artigo constitucional, vários foram/são os agentes públicos (expressão máxima que engloba servidores públicos, empregados públicos, militares, ativos e inativos, dentre outros) que insurgirem/insurgiram contra as decisões e atos que impuseram/impõem o referido limite. Acrescenta-se que a constante alegação é a segurança jurídica e o direito adquirido.

Defendo que a ciência jurídica tem a função de zelar pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência e da justiça. Se outro rumo for dado à mesma, que não o de buscar o justo, ela assumirá características de uma ciência triste.

Assim, as decisões devem ser justas, morais e legais, revelando a expressão total do Direito que ela expressa. Desta forma, concebe-se a obediência ao princípio da moralidade na aplicação e interpretação do direito como sendo a mais relevante ação para determinar a estabilização das relações jurídicas. Ao princípio da moralidade subordina-se qualquer conduta estatal ou privada. A ele submete-se a própria supremacia da lei.

A expressão de moralidade é reflexo dos sonhos democráticos que o povo deposita no exercício do poder e na legitimidade da atividade jurisdicional. Desta forma, em conseqüência a moralidade, todos os outros princípios são erigidos à administração pública, guarda primazia, pois toda atuação estatal deve partir e buscar a dimensão ética. A supremacia do princípio da moralidade exige o aperfeiçoamento das atividades da administração pública.

Em sua dimensão ética, o Estado não protege a sentença judicial mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que bata de encontro à realidade dos fatos, da mesma forma em relação ao direito adquirido.

A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando maior e de cunho imperativo, reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio. Complementamos as afirmações alinhadas com o registro do posicionamento de Celso Bastos no sentido de que “não mais se admite reduzir moral jurídica a uma questão de legalidade (Doutrina do Desvio de Finalidade)”, pois “o princípio esculpido na atual Carta Magna, em seu art. 37, não deixa dúvidas quanto à autonomia da moralidade enquanto realidade jurídica”.

Assim, é fundamental frisar que a existência de um teto de remuneração dos servidores públicos é um instrumento para a concretização do princípio da moralidade. Mais que isso, é meio necessário para que o Estado não passe a ser um veículo de aprofundamento das desigualdades sociais. Para cumprir esse papel moralizador, é realmente desejável que o teto de retribuição seja propositadamente rigoroso e impeça qualquer tentativa de burla.

Ao se analisar a média salarial dos trabalhadores brasileiros, ver-se-á que as altas retribuições de alguns servidores públicos destoam, gerando um sentimento de perplexidade, indo de encontro ao sentimento comum da sociedade, do que seja moral. Desta forma, o princípio da moralidade pode ser justificativa para a redução salarial de servidores públicos que recebem remunerações acima do teto constitucional e não há que se falar no detrimento ao direito adquirido.

A intenção que move a defender a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns servidores públicos não é outra se não o sentimento mais que louvável da busca por maior justiça social. Num país em que as distâncias sociais são enormes, qualquer atitude que sinalize para a contenção dos gastos estatais com os indivíduos mais aquinhoados é aplaudida e incentivada por todos. Seria moralmente insustentável defender a manutenção de altas remunerações de alguns poucos servidores públicos, estando imbuído de uma vontade meramente egoística.

Com essa observação, quer-se deixar claro que a solução adiante proposta para o conflito entre os princípios da moralidade e da segurança jurídica não parte de um desprezo (muito menos de uma discordância) ao segundo.

Para que a redução das retribuições pecuniárias dos servidores públicos, calcada no princípio da moralidade, esteja de acordo com o princípio da proporcionalidade e seja, portanto, constitucional, necessário que a medida coativa ao direito adquirido seja adequada, exigível e proporcional. Assim, a nova redação dada ao inciso XI do art. 37 da Constituição Federal veio com o claro objetivo de evitar abusos contra os cofres públicos. Aplica-se nada mais que o anseio da constituinte originária, através da moralidade. Nada mais respeitoso, justo e moral que o teto colocado atinja a todas estas situações, inclusive a em comento.

Em consonância com o entendimento defendido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já proferiu acórdão no seguinte sentido:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCURADOR DE JUSTIÇA APOSENTADO. ACÚMULO COM CARGO EM COMISSÃO. OBSERVÂNCIA TETO REMUNERATÓRIO. INCISO XI. ARTIGO 37 DA CF/88. EMENDA CONSTITUCIONAL 20/1998. ARTIGO 11. POSSIBILIDADE DE CUMULAR PROVENTOS E VENCIMENTOS COM A OBSERVÂNCIA DO TETO REMUNERATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A RECEBER CUMULATIVAMENTE PROVENTOS E VENCIMENTOS ALÉM DO TETO ESTIPULADO PELO INCISO XI DO ARTIGO 37 DA CF/88.
ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DENEGOU A ORDEM MANTIDO.
1.Tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a constitucionalidade do artigo 37, XI da CF/88, por oportunidade do julgamento do Mandado de Segurança n. 24875/DF, não há se falar em direito adquirido ou mesmo em ato jurídico perfeito quando a soma dos proventos cumulados com vencimentos ultrapassa o teto remuneratório.
2.Fixado o teto remuneratório dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, pela Lei n. 11.143/05, deve a cumulação de proventos e vencimentos percebida pelo impetrante submeter-se a essa limitação.
3.O teto remuneratório, que é a expressão de valores, diretrizes, balizamento resgatados pela moralidade pública, foi regulamentado no ano de 2005 com o advento da Lei Federal n. 11.143/2005. No âmbito do Ministério Público foi regulamentado pela Lei Federal n. 11.144/2005.
Portanto, o ato tido por coator não atenta a legalidade. A partir desse marco, é que me parece legal a limitação da acumulação remuneratória ao teto constitucional.
4.Recurso Ordinário em Mandado de Segurança conhecido, mas desprovido, para manter o acórdão recorrido que denegou a ordem.
(RMS 24.855/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 11.12.2007, DJ 07.02.2008 p. 1)”

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do artigo 37, inciso XI da Constituição Federal, desta forma, por oportunidade do julgamento do Mandado de Segurança n. 24875/DF, não há se falar em direito adquirido ou mesmo em ato jurídico perfeito quando a soma dos proventos cumulada com vencimentos ultrapassa o teto remuneratório. E, ainda, fixado o teto remuneratório dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, pela Lei n. 11.143/05, deve a cumulação de proventos e vencimentos percebida dos servidores submeter-se a essa limitação. O teto remuneratório, que é a expressão de valores, diretrizes, balizamento resgatados pela moralidade pública, foi regulamentado no ano de 2005 com o advento da Lei Federal 11.143/2005. Portanto, é legal a limitação da acumulação remuneratória ao teto constitucional.

Em recente julgado, o STJ manteve decisão que reduziu salário de servidor para adequação ao teto constitucional. Neste, a determinação, antes tomada apenas pela relatora, ministra Laurita Vaz, foi confirmada pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em decisão individual, a relatora havia negado seguimento ao recurso em mandado de segurança apresentado pelo servidor, rejeitando o argumento de irredutibilidade de vencimentos e, conseqüentemente, de proventos de aposentados. Para ela, não se poderia falar em violação do princípio que assegura essa irredutibilidade, pois, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas são irredutíveis os vencimentos e proventos constitucionais e legais, jamais os pagos em desacordo com a lei ou com a Constituição.

Destaca ainda, a ministra, que o próprio STJ tem firmado o entendimento de que não há direito adquirido ao recebimento dos vencimentos ou proventos acima do teto constitucional. Acrescenta que a partir da vigência da EC n. 41/03, as vantagens pessoais integram o somatório da remuneração para apuração do teto.

A Quinta Turma confirmou essa decisão ao rejeitar o agravo regimental interposto pelo aposentado. Ele insistia na alegação de que o teto constitucional não deve incidir nas vantagens pessoais conquistadas antes da vigência da EC n. 41/03, sob pena de violação do direito adquirido. Para ele, os vencimentos e proventos do servidor público não podem ser reduzidos e, ainda, que ocorresse a coisa julgada em decisão do tribunal local, o qual já analisou o tema e garantiu, na ocasião, a irredutibilidade dos vencimentos. A decisão colegiada também mantém o entendimento da relatora em relação à coisa julgada. Segundo a Ministra Laurita Vaz, a EC n. 41/03 instituiu um novo regime jurídico constitucional para os servidores públicos. Dessa forma, a decisão proferida anteriormente não se aplica a esse caso. Assim, a Ministra, relatora do AgRg nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança n. 25.537/RJ, fez o alegado constar em seu voto.

Diante do exposto, concluo e defendo ser legal e constitucional a limitação da acumulação remuneratória ao teto constitucional imposta pela E.C. n. 41/2003, mesmo que atinja situações anteriores à referida emenda constitucional.

A limitação abrange a remuneração, o subsídio, os proventos, as pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não por todos os agentes públicos e não há que se alegar direito adquirido, coisa julgada e irredutibilidade salarial.

A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição. E mais, “Não mais se admite reduzir moral jurídica a uma questão de legalidade, pois o princípio esculpido na atual Carta Magna, em seu art. 37, não deixa dúvidas quanto à autonomia da moralidade enquanto realidade jurídica”. Para cumprir esse papel moralizador, é realmente desejável que o teto de retribuição seja propositadamente rigoroso e impeça qualquer tentativa de burla. A intenção que move a defender a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos não é outra se não o sentimento mais que louvável da busca por maior justiça.

LEONARDO DE LOURENZO FREITAS é advogado, atua na área do Direito Público e sócio da Gontijo & Freitas Advogados.

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Conforme o escalão do princípio atingido, pode representar insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”

Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de direito administrativo, p.409.

A Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e a imagem das pessoas, proporcionando a efetiva reparação indenizatória quando estes paradigmas são violados. O problema atual, para os casos de julgamento de ações de indenizações por danos morais, consiste na quantificação deste referido dano, uma vez que, a moral é inquantificável quando atingida e flexível de pessoa para pessoa.

Diante de tal posicionamento doutrinário, diversas leis foram aprovadas visando padronizar os valores relativos aos danos morais, alguns exemplos podem ser encontrados no Código Brasileiro da Aeronáutica, Lei de Imprensa, Código Brasileiro de Telecomunicações dentre outras.

Aqui, vale ressaltar uma transcrição inteligente do saudoso jurista Rizzato Nunes: “…impedimento constitucional para o tarifamento das indenizações por dano material ou moral… Assim, não há como admitir que uma lei ordinária – infranconstitucional, portanto – imponha um valor máximo para indenizações, como ocorre com a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) e com o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62). O CDC, seguindo o parâmetro constitucional, corretamente, garante a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais…”(art. 6, VI).”

Princípio é o começo, a base, o pilar em que se sustenta uma estrutura, onde tudo começa. Princípios consumeristas são, portanto, os enunciados jurídicos que formam a base, o pilar de sustentação da disciplina Direito do Consumidor. Sob esse prisma, como eles podem contribuir para a proteção prática, efetiva, do consumidor, seja em juízo seja fora dele?

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) veio disciplinar o mando constitucional de proteção aos direitos do consumidor (art. 5º, inciso XXXII, art. 150, § 5º, art. 170, inciso V, todos da Constituição Federal), tornando evidentes as relações de consumo que antes se regulavam pelo Código Civil e demais normas que compreendiam a matéria. Isso tendo por base o maior dos princípios constitucionais: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, C.F). A finalidade de particular proteção é equilibrar as relações de consumo tendo em vista outro princípio constitucional, o princípio da isonomia material entre as partes, sem prejuízo de outros (princípio da publicidade, informação, liberdade e a própria defesa do consumidor).

Notadamente, alguns princípios que permeiam a proteção do consumidor foram tomados de modo especial pela doutrina e se tornaram verdadeiros paradigmas. São eles: o princípio da boa-fé objetiva (paradigma da eticidade), princípio da função social do contrato (paradigma da socialidade) e o princípio da equivalência material (paradigma da operabilidade).

A boa-fé é princípio norteador da proteção do consumidor na medida em que é expresso como tal no art. 4º, inciso III, do CDC, dando efetividade ao mandamento constitucional do art. 170 da Constituição Federal. Em outro momento, a boa-fé encontra-se estipulada no CDC como orientadora de cláusula contratual e em caso de desrespeito estas serão nulas de pleno direito (art. 51, inciso IV, CDC). Assim, “…não resta dúvida de que no sistema da lei 8.078 a boa-fé é princípio e cláusula geral…”.   A boa-fé como princípio é ordem reflexa da Constituição Federal que estabelece no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica a defesa do consumidor (art. 170, CF), enquanto que, como cláusula geral, a boa-fé deve estar presente em toda a relação de consumo, ainda que não expressamente especificada, de modo a caracterizar a validade do ato realizado.

Quando e onde as obrigações forem consideradas iníquas e colocarem o consumidor em desvantagem exagerada ou forem incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade, a respectiva cláusula contratual é nula.

Assim, a boa-fé encontra seu viés prático na medida em que é cláusula geral a ser considerada nos contratos de consumo, passível de revisão ou anulação em caso de vantagem exorbitante para uma das partes.

Os princípios da “pacta sunt servanda”, traduzido comumente em “o acordo faz lei entre as partes”, e da autonomia da vontade, axiomas jurídicos que remontam das mais antigas teorias do direito, foram relativizados em face do interesse social, da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da equivalência material – novos paradigmas introduzidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Esse novo eixo valorativo visa proteger o consumidor na relação de consumo, notadamente nos contratos, e fica evidente quando estampado em capítulo à parte no CDC (Capítulo VI – Da proteção contratual). Por tais atitudes, o Estado interfere nas relações entre os particulares estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social, a fim de “colocar as partes contratantes em pé de igualdade; impedir que o objeto do contrato seja nocivo ao bem comum.”   Dessa maneira, a função social do contrato está estampada no CDC como o intervencionismo estatal que vem para frear uma possível desproporção, disparidade entre os contratantes, que possa macular a real intenção dos mesmos na consecução do contrato, mas sem interferir na vontade das partes.

Por fim, o princípio da equivalência material que encontra respaldo nos artigos 47 e 54 da Lei 8.078/90, além do art. 423 do Código Civil. O ordenamento civilista assim dispõe, in verbis: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” É do ponto de vista deste princípio que se perfaz todo o ordenamento protetivo do consumidor, que visa protegê-lo na relação de consumo, uma vez que é instituído como a parte frágil. Vejamos o tratamento que lhe é dispensado sob a ótica contratual, no CDC: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Isto significa que, sob qualquer pretexto, a cláusula sendo ambígua, contraditória, capciosa ou sem defeito aparente, será interpretada de modo mais favorável ao consumidor. É essa a inteligência da lei que quis salvaguardar os interesses do consumidor – parte vulnerável da relação de consumo.

Portanto, os princípios consumeristas (particularmente os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da equivalência material) contribuem para a efetividade da proteção dos direitos do consumidor na medida em que devem ser observados na consecução dos contratos de consumo e nas suas eventuais consequências sociais.

Lucas de Freitas Santos

Advogado

1 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 570.

2 SAAD, Eduardo Gabriel. et al. Código de defesa do consumidor comentado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 618.

3 SAAD, Eduardo Gabriel. et al. Código de defesa do consumidor comentado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 564.

(…) todos os países são arrasados pela dinâmica da globalização. De certa forma, trata-se de uma segunda revolução capitalista. A globalização econômica atinge as mais remotas regiões do planeta, ignorando a indepedência dos povos e a diversidade dos regimes políticos.

A globalização não visa tanto conquistar países, mas conquistar mercados. A preocupação desse poder moderno não é, realmente, a conquista de territórios, como no tempo das grandes invasões ou dos períodos coloniais, mas a tomada de posse de riquezas.(…)

A mercantilização generalizada se traduz por um enorme agravamento das desigualdades. Enquanto a produção planetária de alimentos básicos representa mais de 110% das necessidades mundiais, 30 milhões de pessoas continuam a morrer de fome a cada ano, e mais de 800 milhões estão subnutridas. (…)

Em escala mundial, a pobreza é a regra e a abastança, a exceção. As desigualdades se tornaram uma das características estruturais do nosso tempo. E elas se agravam, afastando cada vez mais os ricos dos pobres. As 225 maiores fortunas do mundo representam (…) o equivalente à renda anual de 47% das pessoas mais pobres da população mundial (2,5 bilhões de pessoas!). Simples indivíduos são agora mais ricos do que os Estados. (…)

(Ignacio Ramonet, Guerras do Século XXI: novos temores e novas ameaças. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 8-9, 10, 13-14, 16)

Pode-se dizer que nos últimos cinco anos, com o ingresso de novas Companhias Aéreas no mercado brasileiro, crescimento da frota de aviões e introdução de novas filosofias de mercado, o Brasil conseguiu um pequeno, mas importante avanço quando se trata da matéria popularização do transporte aéreo. A Ministra do Turismo Marta Suplicy anunciou 49,996 milhões de desembarques nacionais no mês de dezembro de 2007. Nos EUA esta popularização já se deu há algum tempo, singela característica que demonstra as igualdades e desigualdades econômicas entre as classes sociais deste país quando comparadas com o Brasil.

Apesar de todo o crescimento das vendas de passagens, os acidentes ocorridos no espaço aéreo brasileiro trouxeram insegurança para muitos passageiros, e talvez seja por isto, em que pese ao crescimento de desembarques em dezembro, muitos vôos foram cancelados por falta de passageiros.

Esse crescimento se deve muito a uma estratégia financeira utilizada por Agências de Viagens, o fretamento de aviões. Nesta modalidade, uma ou várias agências de viagens adquirem todos os assentos disponíveis do vôo e os revendem por um preço abaixo do cobrado no mercado.

Analisando o fato, verifica-se que atuando desta forma, as agências conseguem atrair os consumidores devido ao preço total dos pacotes turísticos, incluindo a passagem aérea. O lucro é retirado pelo volume de passageiros alcançado e as parcerias envolvendo os hotéis, restaurantes, cabanas e merchandising.

Entretanto, o crescimento trouxe também a possibilidade da insegurança jurídica que envolve os contratos de prestação de serviços entre as Agências de Viagens e os consumidores. A possibilidade de alteração de datas e horários está prevista no contrato quando se trata de vôo fretado. O Poder Judiciário se depara diariamente com ação de indenização e restituição interposta por estes consumidores que sofreram com a alteração das datas e horários, além das ações já costumeiras incidentes sobre crise dos controladores de vôos, apagão aéreo e etc.

Mas, estaria de acordo com a legislação essa possibilidade de alteração na prestação do serviço? O que o Código de Defesa do Consumidor expõe acerca deste fato? E o que vem sendo alegado pelas Agências em suas defesas?

Primeiramente o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, em seu artigo 14 diz:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Cumpre analisar primeiramente o que é serviço defeituoso, que como é delineado nos parágrafos do artigo, o serviço é defeituoso quando não fornecem segurança e informações relativas ao modo, resultado, riscos e época do serviço. Transferindo a matéria genérica para o caso específico, encontra-se que a segurança quanto ao contrato assinado não foi afetada, uma vez que, o consumidor estava ciente da possível alteração do itinerário. A fundo, a segurança quanto ao modo do fornecimento do serviço foi informado que seria realizada por transporte aéreo; quanto ao resultado e risco esperados, entende-se que o resultado é a chegada dos passageiros no destino final e os riscos, que estes cheguem com a mesma saúde de quando iniciaram a fruição do serviço; e a segurança quanto à época do serviço poderia ser interpretada como o caos que o Brasil viveu no final do ano de 2006 e início de 2007 na aviação.

Portanto, ao que se refere este artigo, entende-se que não há insegurança jurídica em relação aos contratos envolvendo os vôos fretados. Por outro lado, faz-se mister observar se a cláusula contratual referida é nula – abusiva – ou válida.

No inciso IV do artigo 6, do CDC, diz que é um dos direitos básicos do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas no fornecimento de serviços. A Seção II da legislação acima referida trata “Das Cláusulas Abusivas”; informa que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito quando preenchem tais requisitos:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V – (Vetado);

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

Diante todos os incisos acima delineados, o que mais se aproxima, para uma interpretação fática, seria o inciso XIII, em que o fornecedor modifica unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua celebração. Transferindo a teoria para a prática contratual utilizada pelas Agências de Viagens, acredita-se que nenhuma modificação fora feita após a celebração do contrato e que, a modificação já estava expressa no contrato celebrado entre as partes. Então, do ponto de vista deste autor, não há em que se falar em cláusula abusiva em se tratando de modificação de itinerário quando previamente informado o consumidor.

Por outro lado, o contrato assinado por este consumidor seria de adesão? Segundo o jurista De Plácido e Silva, “contrato de adesão é a designação dada para significar a espécie de contrato, em que cláusulas, que o vão compor, são preliminarmente estabelecidas por uma das partes, proponente, numa proposta, que será aceita ou não pela outra parte, sem direito a qualquer discussão, aceitando-as ou não, e, no primeiro caso, aderindo à proposta feita. A manifestação da vontade do aceitante mostra-se, em verdade, uma adesão à proposta, em que se baseia o contrato, desde que seja este fundado nas cláusulas impostas pelo contratante-proponente. Aceitando-as, firmando o contrato por sua adesão, está este perfeito, criando o vínculo jurídico e obrigacional que passa a uni-los. É típico no contrato de transporte. Tanto basta a prova de que o transportador ou o passageiro tenha aderido ao contrato, pela evidencia de atos demonstrativos da adesão, para que o contrato se firme entre as partes e produza os efeitos legais.”

Em se tratando de um contrato de adesão, há uma seção especial no CDC que trata sobre este assunto. Faz-se necessária a transcrição dos parágrafos 3° e 4° do artigo 54 do diploma mencionado:

§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Assim, as cláusulas que possibilitarem alteração de datas e horários dos vôos devem ser expressas, de forma legível e destacada para que o consumidor tenha ciência quando da assinatura do contrato. Esta medida visa equilibrar as relações contratuais, e evitar que futuramente o consumidor demande em face da agência alegando desconhecimento da cláusula.

Outro tema jurídico levantado quanto à questão fática analisada é o princípio da força obrigatória dos contratos, “pact sunt servanda”. Este brocardo jurídico tem a tradução como sendo “os contratos existem para serem cumpridos” em uma interpretação em que o contrato faz lei entre as partes. É reconhecido no âmbito jurídico como se regra fosse, entretanto, não se pode devorar princípios básicos da justiça contratual, tais como, a legalidade, a boa-fé, a igualdade dentre outros. O princípio do pact sunt servanda deve ser respeitado nos limites da lei.

A teoria da imprevisão, ou princípio do “rebus sic stantibus” vem sendo comumente utilizada em se tratando das relações entre instituições financeiras e seus clientes. Isto porque a instituição impõem uma obrigação contratual o tanto quanto onerosa a ponto de impossibilitar ou de caracterizar uma quebra da função social do contrato.

O que acontece nos contratos entre as agências de viagens e os consumidores não chega a quebrar os princípios básico que norteiam os contratos. Além do mais, os requisitos essenciais para a celebração do mesmo são respeitados: capacidade para contratar, objeto lícito e não prescrito em lei e forma legal. O que se discute acerca da função social, uma mera alteração já previamente informada, não pode ser capaz de interferir como uma problema para a sociedade em geral, uma vez que, esta hipótese não acontece diariamente e sim em ocasiões esparsas.

Conclui-se que apesar de levar transtornos e expectativas parcialmente frustradas para os consumidores que assinam este tipo de contrato, a cláusula que informa sobre as possíveis alterações das datas e horários dos vôos dos pacotes turísticos não pode ser considerada abusiva; além disto não é ilegal a sua formulação apesar de o contrato ser de adesão o alcance desta cláusula não atinge o âmago da sociedade como um todo. Estaríamos de perto, de uma situação em que a oferta de um preço baixo – do pacote turístico – requer um sacrifício do consumidor, o de aceitar a condição da modificação de seu itinerário. É normal a situação elencada em todo canto do país, empresas privadas e instituições públicas disponibilizam serviços gratuitos para àqueles que, se sacrificam e chegam mais cedo nas filas, passando horas e horas sob o sol à pino, para conseguir o que alguém com condição financeira melhor pode pagar por esta espera.

Marden Gontijo